No Dia Mundial da Alimentação, que se celebra no dia 16 de outubro, o diretor da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto escreve sobre a importância da Dieta Mediterrânica, sobretudo em tempos de pandemia, em que os riscos de contágio e de evolução da covid-19 são acrescidos para quem tem doenças - como diabetes, hipertensão, obesidade ou doença pulmonar - para as quais o padrão alimentar mediterrânico pode dar maior proteção.
Necessitamos urgentemente de adotar um modelo de consumo alimentar que promova a nossa saúde, que nos proteja da doença e que proteja o planeta. Talvez pudesse ainda acrescentar que esta “dieta” ou “estilo de vida”, tal os antigos gregos a viam, deveria ser acessível a todos, combatendo as desigualdades no acesso a uma alimentação saudável e sendo culturalmente aceitável para as populações que a seguem.
Esta utopia alimentar não existe, mas talvez a “Dieta Mediterrânica” seja o projeto alimentar e de vida que mais se aproxima. O nome foi cunhado pelo norte-americano Ancel Keys (1904-2004), um homem do renascimento, tal como Thomas More, que estudou ciência política, oceanografia e biologia antes de se doutorar pela segunda vez em fisiologia na Universidade de Cambridge. A partir do final dos anos 50 começou a analisar a relação entre a alimentação e a longevidade intrigado pelas pessoas centenárias da zona de Nápoles e, em 1958, iniciou um grande projeto científico, a que chamou “Seven Countries Study”, que foi o ponto de partida para a divulgação deste modo de comer e de viver a que hoje chamamos “Dieta Mediterrânica”.
A fotografia alimentar da sociedade mediterrânica tirada nos anos 60 por Ancel Keys e seus colaboradores é hoje, seguramente, o modelo alimentar mais estudado em todo o mundo e associa-se, através de evidência científica robusta, a diversos resultados promissores na promoção da nossa saúde e na proteção face à doença.
Ainda falta saber mais, muito mais, sobre quais os nutrientes protetores presentes neste modelo alimentar e como interagem para proteger as nossas células. Sabemos que algures nos hortícolas, nos cereais, na fruta, nas leguminosas e no azeite, presenças marcantes neste modelo alimentar de base vegetal, parco em carne e lacticínios e que usa com frequência a panela para os seus cozinhados, encontram-se diversas substâncias com capacidade para reduzir os processos inflamatórios e a agressão celular, reduzindo o risco e a gravidade de doenças como as cardio e cerebrovasculares, diabetes, certos tipos de cancro e a doença de Alzheimer.
Nesta equação “dieta mediterrânica-proteção face à doença crónica” acrescenta-se agora a doença infeciosa como a Covid-19. Hoje sabemos que os riscos acrescidos de contágio e de evolução da Covid-19 estão aumentados na diabetes, hipertensão, obesidade ou doença pulmonar, doenças habitualmente associadas a um estado de inflamação crónica de baixo grau onde a adesão ao padrão alimentar mediterrânico pode significar maior proteção face à doença.
Este é, pois, um tempo de sublinhar as vantagens alimentares e ambientais desta forma de comer, mas acima de tudo, de perceber e combater as razões para o seu abandono e desaparecimento na sociedade portuguesa.
A Dieta Mediterrânica é uma forma cultural de olhar para a alimentação e inclui uma forte componente de convívio. É um modelo alimentar que tem por base o conhecimento culinário transmitido familiarmente e o saber estar à volta da mesa. Fomenta a cultura do encontro. O encontro à volta da mesa para juntar a família, para os negócios, para o prazer, para a troca de conhecimentos e para a construção de uma sociedade mais participada.
Esta sociedade mediterrânica que vive à volta da mesa é uma sociedade inclusiva que se ouve e que se vê, olhos nos olhos. Que discute, aprende e argumenta longa e diariamente, mas que não se esconde nas redes sociais nem utiliza a ignorância agressiva. É uma sociedade que confronta ideias e que é confrontada, aberta ao exterior e que não lê ou ouve apenas o que lhe interessa ler e ouvir. Neste aspeto, a ideia de “Dieta Mediterrânica” é também uma ideia política muito necessária e atual em tempos de Covid. Por isso a celebramos neste 16 de outubro, Dia Mundial da Alimentação.