Portugal tem uma longa tradição ligada ao mar. Os nossos sabores o os nossos pratos enchem-se de aromas de maresia com um elevado consumo de pescado. Dados da Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO,2008) apontam Portugal como um dos países do Mediterrâneo onde o consumo de pescado tem uma elevada importância na dieta da população e no estilo de vida mediterrânico. Portugal é o maior consumidor de peixe por habitante na EU e o terceiro a nível mundial. Neste âmbito, e de acordo com a parceria estabelecida com o IPMA e a EHTA, surgiu a oportunidade de trabalhar e transformar a corvina de aquacultura em produtos gastronómicos inovadores, mais sustentáveis e saudáveis e de cariz tradicional muito ligado à adesão ao padrão alimentar da dieta mediterrânica. Surgem assim as “Pescaliças” um enchido confecionado à base de corvina recorrendo ao método de defumação tecnologicamente controlado sem perder a identidade da gastronomia tradicional portuguesa.
Chamam-se ‘Pescaliças’ e constituem a mais recente inovação produzida na Escola de Hotelaria e Turismo do Algarve. São chouriças ou enchidos feitas com peixe (corvina) de aquacultura e respondem à tendência atual de procura de uma alimentação mais saudável e sustentável sem perder a ligação à tradição e ao padrão de alimentação milenar da Dieta mediterrânica.
Esta ideia nasce na lecionação do módulo de Tecnologias das Matérias-Primas em Cozinha do curso de Gestão e produção de cozinha da EHTA, no qual foi introduzida a componente de inovação em charcutaria e na defumação de cariz mais tecnológica de peixe de aquacultura do Algarve.
Considero que inovar e criar novos produtos é perceber a tecnologia alimentar fomentando novos usos e técnicas de forma a desenvolver produtos adaptados às necessidades e tendências de um mercado alimentar mais exigente e saudável sem nunca perder a entidade da gastronomia e sabores e saberes tradicionais.
A parceria da Escola de Hotelaria e Turismo do Algarve com o IPMA (Instituto Português do Mar da Atmosfera) e o fornecimento regular de várias espécies de peixe provenientes de aquacultura da região do Algarve permitiu que os próprios alunos do curso de Gestão e Produção de Cozinha realizassem os ensaios até obterem a confeção certa e com capacidade de ser colocada no prato dos portugueses em diversos petiscos tradicionais e regionais.
O IPMA é parte integrante do laboratório colaborativo para uma aquacultura sustentável e inteligente. O S2AQUA é uma associação entre instituições do sistema I&D, várias empresas e uma cooperativa do setor da aquacultura. O seu objetivo é a realização de atividades de I&D, com vista à inovação para uma aquacultura sustentável e inteligente. Pretende ter um papel ativo na transferência de conhecimento e tecnologias e disponibilizar serviços que aumentem a segurança alimentar e diversifiquem os produtos da aquacultura (Ferreira, Pedro Pousão; 2021).
O consumo de peixe em Portugal (55,6 kg/percapita/ano) é mais do dobro do consumo médio na EU-27. Na EU o consumo anual é em média de 17 quilos. (FAO, 23/05/2021). O Peixe de aquacultura assume um papel cada vez maior no consumo de pescado em Portugal. Na Estação Piloto de Piscicultura de Olhão (EPPO) do Instituto Português do Mar e da Atmosfera produz-se peixe de aquacultura em mar aberto. Um dos grandes focos da EPPO é valorizar a produção de pescado de aquacultura de forma sustentável e adaptada às tendências do mercado e do consumidor. Portugal ainda importa 75% do pescado que consome pelo que, e de acordo com o IPMA, é imperioso encontrar novas espécies com potencial e destacar a importância nutricional do pescado. (www.eumofa.eu; 2014).
O consumo de peixe de aquacultura faz parte de um padrão alimentar mediterrânico e caracteriza-se por uma valiosa alternativa pois apresenta idêntico valor nutricional ao pescado selvagem. Acresce que há peixes de aquacultura cujo benefício para a saúde supera até o de muitas espécies de peixe selvagem. Dentro destes, destacam-se os peixes mais gordos, dada a sua gordura saudável rica em ácidos gordos ómega-3 e em vitamina E. A aquacultura enquanto processo de produção permite a rastreabilidade e o uso de métodos de conservação adequados a uma elevada qualidade do produto final (Marques, Ana Luísa Ribeiro, 2018).
Segundo a pirâmide da dieta mediterrânica o pescado encontra-se no patamar dos alimentos que devem ser consumidos semanalmente. Este padrão alimentar sugere o consumo de duas ou mais porções de peixe / pescado por semana (Real, Helena, et.al; 2016)
O consumo de pescado aporta um grande benefício para a saúde dada a sua riqueza nutricional, nomeadamente a presença de ácidos gordos ómega-3. Acresce o facto de serem uma fonte equilibrada de proteína de elevado valor biológico e alta digestibilidade, fornecendo em quantidades significativas os aminoácidos essenciais à boa manutenção do organismo, de realçar os níveis de lisina (necessária ao crescimento infantil), (Bandarra, Narcisa; 2021).
Os enchidos de peixe constituem, de alguma forma, um potencial de consumo para um consumidor jovem, fomentando a redução de consumo de carne, respondendo assim a uma procura crescente por alimentos sustentáveis, locais e do ponto de vista nutricional, mais equilibrados e saudáveis. Agora, as ‘Pescaliças’ são uma excelente forma de aproveitamento do peixe disponível, resultando num produto mais saudável que os enchidos de carne e sem perder os sabores associados à charcutaria e alimentação tradicional. Convêm referir, que à semelhança de qualquer produto de charcutaria ou alimentar, os enchidos de peixe devem ser consumidos de forma moderada e de acordo com as capitações designadas pela associação dos nutricionistas portuguesas.
Acredito que a alimentação sustentável apresenta um crescimento visível no mercado o que torna estes produtos do ponto de vista económico atrativos e viáveis. Portanto, quanto maior for o conhecimento do aluno e futuro cozinheiro na transformação e origem dos produtos alimentares maior será o seu desempenho no desenho de uma carta de um restaurante e maior valor agregará ao seu potencial profissional.
Fomentar junto dos alunos da EHTA novos usos e confeções para o pescado influência indubitavelmente o aumento do consumo destes alimentos produzidos e terá certamente impactos positivos nos hábitos de alimentação, mais saudáveis e responsáveis, nas futuras gerações.
Com a tradicional muxama Algarvia a correr o risco de se perder, estes enchidos de peixe, muito similares mas mais tenros e com um especial sabor de fumeiro, poderão tornar-se produtos de referência e, alternativos ao consumo de carne, da gastronomia do Algarve.
Autores:
Abílio Guerreiro
Bibliografia
Bandarra, Narcisa; A roda da alimentação; IPMA; www.arodadaalimentacao.pt; 2021
Ferreira, Pedro Pousão; Apresentação sobre aquacultura e economia circular; IPMA; EPPO; 2021
Helena Real, Mariana Barbosa, Teresa Carvalho; Ebook, Pescar Saúde, APN, 2016
Marques, Ana Luisa Ribeiro; Estudo comparativo entre composição nutricional de peixe selvagem e de peixe de aquacultura; Universidade Fernando Pessoa, Faculdade Ciências da Saúde, Porto, 2018
www.eumofa.eu ; 2014
www.fao.org ; 2021
Fonte: Escola de Hotelaria e Turismo do Algarve | Guerreiro, Abílio; 2021; Turismo de Portugal